sábado, 24 de outubro de 2009

Countee Cullen pôs a língua pra fora e escreveu um poema; então, um afrojamaicano grita com ele: “In the abundance of water, the fool is thirsty”



O poeta estadunidense Counte Cullen foi um dos muitos poetas afrodescendentes que apareceram nas bancas e nas livrarias, após a eclosão do Negro Renaissance, movimento afroamericano, surgido em New York, na década de 1920, no bairro do Harlem, o gueto dos negros estadunidenses que vieram do Sul do país por causa do término da Guerra de Secessão. Não ficou tão conhecido como o seu compatriota Langston Hughes (The Weary Blues, 1926) ou mesmo como o poeta Claude MacKay (If We Must Die, 1919, e Harlem Shadows, 1922), um dos precursores desse “Renascimento Negro” do Harlem.
             O que Countee Cullen tem em comum com esses poetas e outros escritores, músicos, atores e artistas plásticos estadunidenses dessa época é a “tomada de consciência de ser negro”, advinda, principalmente, das ideias de Willian Edward Burghard Du Bois, a quem Zilá Benrd chamou o “pai do movimento”. Essa postura dos escritores afroamericanos despertou interesse dos editores brancos; com isso, a literatura afrodescendente tomou novos rumos nos Estados Unidos e, consequentemente, em outros países.
Não foi à toa que movimentos posteriores como o Indigenismo haitiano ou o Negrismo cubano (oqual nos legou um poeta do porte de Nicolas Guillén, Motivos de son, 1930) ecoaram também na Europa com a Negritude francófona em Paris (Aimé Cesaire, Leopold Sedar Senghor e Leon Damas). Ecos do Negro Renaissance também são sentidos nos poemas do brasileiro Solano Trindade (Cantares do meu povo, 1961), a quem os estudiosos apontam como o primeiro em nossas letras a assumir essa mesma postura dos escritores negros estadunidenses; a despeito, é claro, de ter havido em nosso país , no século XIX, alguns precursores dessa atitude, um deles é o poeta Luiz Gama.
O certo é que as vozes negras desses poetas todos cantam, a partir da década de 1920, quase em uníssono, tanto a assunção da negritude e da herança africana quanto as queixas de uma gente atingida pela Diáspora trágica, que foi marcada na pele de povos da África, em tantos países, sobretudo, nos das Américas. Canta-nos, Countee, o teu canto negro:



INCIDENT

Once riding in old Baltimore,
Heart-filled, head-filled with glee,
I saw a Baltimorean
Keep looking straight at me.

Now I was eight and very small,
And he was no whit bigger,
And so I smiled, but he poked out
His tongue and called me: “Nigger”.

I saw the whole of Baltimore
From May until December:
Of all the things that happened there
That’s all that I remember.

(Countee Cullen)



INCIDENTE

Certa vez andando em Baltimore,
Tão alegre, em regozijo,
Vi um baltimoreano
Mantendo o olhar em mim, fixo.

Eu tinha oito e era pequeno,
E o seu tamanho era o mesmo;
Então eu sorri, mas ele
Deu-me a língua e disse: “Negro”.

Eu vi Baltimore toda
Desde maio até dezembro:
De tudo o que ocorreu lá,
Isso é só o que eu lembro.


(Tradução de Luiz Filho de Oliveira)