quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Sétima de Setembro: a reescritura da história do Hino Nacional Brasileiro

          Há alguns anos, numa das minhas primeiras participações nesta emaranhada rede, escrevi um texto para um portal de Teresina em que falava a respeito (e com algum...) de um dos símbolos de nossa pátria: o Hino Nacional Brasileiro. O portal acabou, o texto perdeu-se, mas a ideia ainda está intensa e vívida. Mesmo que já tenha perdido os originais, escritos a lápis. Porém, eu já estou quase acostumado à troca de um computador por outro: do papel-lápis-borracha, passei à tela líquida digitada. E aqui aquela coincidência de chiste, pois eu nunca tinha visto esta ideia de programa pra computador, desenhada por Millôr Fernandes, o guru do Méier.



          Dá só uma olhada nessa ponta feita pelo cara! Arrebentou, coroa. Afiada pra dráculas! Então, vamos dar um sangue: vamos correr cinco mil e quinhentos anos pro passado e gravemos em cuneiforme a argila; pintemos os papiros, os pergaminhos (a despeito dos palimpsestos); gravemos a tinta o texto. Digito: vou reescrever o texto sobre o hino. Mas, antes, escrevamos (e re): Verba volant; scripta manent. Certamente, os escritos permanecem a maior marca humana. Ninguém apaga isso. Entanto, sempre gostei de lápis por isto: a possibilidade de apagar trechos a qualquer momento, deletar parte do texto, de reestruturá-lo, de repaginá-lo, do escambal! É, de fato, o lápis-borracha deve mesmo ser pensado como o início do desejo humano de cada vez mais facilitar a escritura/reescritura/gravação de textos em superfícies que sejam de fácil manuseio. E disso, os computadores são ainda o fim-da-linha, a ligação até os programas para edição de texto, tão bonzinhos a tantos prestidigitadores. Olha-eu aqui de novo, regravando, Luiz, pra regravar. É limpeza de mais pra um só texto! Viva, a possibilidade de mudar. Não calar o texto: cortar, acrescer, redefinir. É o máximo! Muitíssimo bom pra textos como este, postado pra leitura de tantos, pra pontos de vista, de ouvido, de tato. Sentidos muitos. Afinal, pra começo, este blog é de opinião; não, opinioso. E toda a minha obragem é nesses sentidos. Nunca completo, o texto. Lembra o poder-ser-negado do filósofo pra dizer que quase toda obra escrita não está absoluta. Quero seguir a linha de um Raul Bopp, que reescreveu seu Cobra Norato pra melhorá-lo. Ou pra transformá-lo noutra obra sendo a mesmíssima, como disse Drummond, a respeito de uma edição alemã do livro de Bopp. Mastambém, eu não persigo a “pedra-peixe”, como o-quer o poeta Rubervam du Nascimento, que deseja reescrever seu livro A Profissão dos Peixes (1993), sempre enxugando os poemas, até chegar à concisão final. Uma hipérbole do escrever-é-cortar drummondiano.
          Não. Apesar de meu esforço por me-remendar. Minhas linhas são outras. Masporém, continuo redundante, dizendo o mesmo, dou-tro-jei-to. Porisso, não quero deixar setembro passar sem reescrever essas cismas acerca do Hino Nacional, a respeito daquilo que o-envolve: a execução, a solenidade, os fatos históricos, a reação do público, a memorização do texto, o direito autoral, a conveniência de atitudes. Muito. Seguimos por essas linhas, portanto, pra falar de monarquia, república, música, poema, povo, autoria, reescrituras, direitos, com proposta de não-absolutismos. Escrevo: o poema de que tratarei é o de Joaquim Osório Duque-Estrada (o que me-deve levar a falar no de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva); a música, a de Francisco Manuel de Silva. O Hino Nacional Brasileiro. História grande, vivida desde o século XIX ao nosso, o XXI. No entanto, não tenho muito pra falar da música, já que ela agradou desde o Povo a Pedro I, a Pedro II, a Deodoro da Fonseca, a Coelho Neto, a Nilo Peçanha, a tantos, e ainda a Lula. No governo deste último, em mais uma de suas canetadas, foi criada uma Lei (n.º 12.031, de 21/09/2000), na qual se-estabelece que, nas escolas de ensino fundamental, públicas ou privadas, pelo menos uma vez na semana, deverá haver, obrigatoriamente, a execução do Hino Nacional. Sabiam? Pois é, muitos não no-sabem (manca a estratégia das antigas, não sabem isso); e, na escola, pasmem! Por certo algum diretor desses estabelecimentos deve estar executando esse ato cívico-político. Contudo, creio que muitíssimas escolas ainda não no-fazem (tá lendo como eu posso comer um arcaísmo e reviver-ele com este outro?). Na escola pública, sobretudo, essa situação ocorre, creio eu, por conta da falta de “preparo para o exercício da cidadania” que alguns agentes públicos têm (quanta incompetência!), a que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº9394, de 20/12/96) juntou o “pleno desenvolvimento do educando” e a “sua qualificação para o trabalho”, estabelecendo o tripé de finalidades da educação brasileira. Se é Brasil; cantemos, pois, o sucesso da dupla Manuel & Joaquim.
          Não questionemos, portanto, o ter-ou-não-ter-hinos-dos-países, essa atitude é algo um tanto assim atávico nos humanos, está atada às tradições da sua cultura. É o que ocorre também na cultura dos outros animais. É, os “irracionais” têm cultura, sim! E gritos de guerra, e músicas e cantos e poemas, como o-temos. Certo que é cada um na sua árvore, no seu galho, coa sua linguagem, coa sua atitude, dá sua maneira, mas é isso, sim. A regra é que o comportamento do bicho (o bicho-homem não o bicho-bicho) é mesmo essa linha romântica: patriotismo, estadismo, urbanismo, tribalismo, bairrismo. Altregoísmo. Egaltruísmo. Entretanto, um parêntese (dois-pontos!): estou falando da gente honesta, não da canalha. E aqui cantamos o Hino, que sempre nos distinguirá, nos-tingirá coas cores do nosso brasão (ou Brasil ou Piauí ou a cidade onde estiver trabalhando). Mesmo que os do-contra apelem contra ou nem tanto assim, escrevo que não eu, nem você nem eles nem quem não possa fazê-lo poderá acabar com esse ato tão arraigado às tradições das pátrias. Pra mim, creio ser vantajoso, pois à criança e ao adolescente é conveniente pintar os símbolos (e vai nisso outra prerrogativa humana) que nos-definem enquanto um país, uma tribo, uma equipe, um time. E nisso, nossa fala, nossa língua, nosso canto, nosso poema: nosso hino. Vai além do brasão e vem à bandeira. Com todo o meu bairrismo, levado, sou levado, a dizer isto: nosso Hino Nacional é muito bonito mesmo. Concordo com os Pedros, motivação e perpetuação da música, e com o Marechal, que deu a canetada final: a música tem de ser a de Francisco Manuel, aqual foi composta oitenta e sete anos antes de sê-lo o poema que a-acompanha atualmente, o de Joaquim Osório. Tamanha a harmonia que há entre eles, que há quem possa pensar que os dois compuseram hino e poema juntos. Porém, a história não é bem assada.
          Ela começa em 1822, quando Francisco Manuel da Silva (1795-1865) compõe a primeira versão do que se conhece hoje como Hino Nacional Brasileiro, cujo título, nesse momento, era outro: “Marcha Triunfal”. Possivelmente, Francisco Manuel poderia estar empolgado coa Proclamação da Independência do Brasil, levada a cabo pelo então príncipe Dom Pedro I. Dá uma olhada na tela deste, num óleo sobre tela de Pedro Américo:


          É, esse bonitão, que não fez a cena tão elegante quanto a-pintaram (mais pra frente escrevo por quê), empolgou o então jovem músico e compositor Francisco Manuel. Se alguém tem de estar com fome pra fazer isso, não me-nego a obviedade de deduzir que ele apresentou sua composição, sobretudo, com o intuito de se-promover, de buscar uma melhor posição dentro da Capela Real, já que ele começou como cantor soprano do coral da capela; depois, tornou-se timbaleiro; em seguida, segundo violoncelista; chegando a ser nomeado Mestre Geral e, por fim, Mestre Compositor da Capela Real. Dizem uns historiadores que os primeiros acordes da música de nosso hino foram compostos numa espécie de “clube da esquina”, uma casa comercial de um clarinetista amador, conhecido de Francisco Manuel e de outros tantos, que lá se-reuniam, naquela época. Pois é, ele fez a música e o príncipe e o povo gostaram (que estranha concordância o-favoreceu não no-sabemos). Pois assim o-foi: depois da “luta” pela independência, do grito inexistente “às margens plácidas do Ipiranga”, Francisco Manuel compôs a música pra dar aos ânimos exaltados uma outra composição que substituísse o Hino do Rei, já que o Brasil tramava não mais continuar Colônia de Portugal. O primeiro Imperador do Brasil aprovou a trilha sonora, e ela foi executada em solenidades, sobretudo, nas datas (é, plural!) de comemoração da Independência do Brasil: 12 de Outubro, dia do aniversário de Dom Pedro I e de sua proclamação como imperador, e 1º de Dezembro, data de sua coroação, pois o 7 de Setembro somente foi oficializado em 1870. Assim, ao invés do Hino do Rei (que tinha uma particularidade irritante pros súditos: ele mudava a cada rei, e dá-lhe memorizar texto novo!), executava-se o Hino do Império, como o-definiu Dom Pedro II já em 1841. Aos toques, pela conjuntura estabelecida, a música de Francisco Manuel foi-se-identificando com o povo brasileiro e com esse espírito patriótico que se-assoma em situações como essas.
          Pra confirmar tal identificação com a nova pátria, foi essa a composição tocada no dia 13 de abril de 1831, data da partida de Dom Pedro I para Portugal, em razão de sua abdicação em favor de seu filho, Dom Pedro de Alcântara. Daí, portanto, saber-se o porquê de ser o dia 13 de Abril o escolhido pra figurar como o Dia do Hino Nacional. Um fato relevante, nessa história, é que, a partir desse dia, além de começar a tomar um formato definitivo, a música de Francisco Manuel começou a ter também uma “letra”, ou seja, um poema, pra ser cantado pelo público. Foi a primeira vez que o hino era executado e cantado em uma solenidade, em nosso país, afirmam em uníssono os historiadores. Da mesma forma que afirmam também ter sido executado com esse poema no dia seguinte, no Teatro de São Pedro de Alcântara em solenidade da Corte. Entretanto, não foi assim tão festejado esse primeiro texto, posto que em seu tom grassava ainda uma muito grosseira agressividade, pois a rivalidade entre brasileiros e portugueses, durante o processo da independência, ainda estava muito presente no cotidiano da Corte; fato que explica, por exemplo, a dureza no tratamento dispensado aos portugueses, a linha preconceituosa em relação a eles (nunca aos mesmos, estou com o senhor, Napoleão Mendes de Almeida!). Pois-pois, os portugueses ficaram indignados; o poema do piauiense Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva (1787-1852) apresenta-se como uma “bofetada no rosto” dos patrícios portugueses. Conforme registra Adrião Neto no seu livro Literatura Piauiense para Estudantes (Teresina, edições Geração 70, 1999), essa composição poética tinha o título de Ao Grande e Heroico 7 de Abril de 1831, numa referência à data da assinatura da abdicação de Dom Pedro I. Vamos ao texto:

Ao Grande e Heroico 7 de Abril de 1831

Os bronzes da tirania
Já no Brasil não rouquejam;
Os monstros que os escravizam
Já entre nós não vicejam.

Da Pátria o grito
Eis se desata
Desde o Amazonas
Até o Prata.

Ferro e grilhões e forças
De antemão se preparavam:
Mil planos de proscrição
As mãos dos monstros gizavam.

(Refrão)

Amanheceu finalmente
A liberdade no Brasil...
Ah! não desça à sepultura
O dia Sete de Abril.

(Refrão)

Este dia portentoso
Dos dias seja o primeiro;
Chamemos Rio de Abril
O que é Rio de Janeiro.

(Refrão)

Arranquem-se aos nossos filhos
Nomes e ideias dos lusos,
Monstros que sempre em traições
Nos envolveram, confusos.

(Refrão)

Ingratos à bizarria
Invejosos de talento,
Nossas virtudes, nosso ouro,
Foi seu diário alimento.

(Refrão)

Homens bárbaros, gerados
De sangue judaico e mouro,
Desenganai-vos, a Pátria
Já não é vosso tesouro.

(Refrão)

Neste solo não viceja
O tronco da escravidão;
A quarta parte do mundo
Às três dá melhor lição.

(Refrão)

Avante, honrados patrícios,
Não há momento a perder
Se já tendes muito feito,
Idem mais resta a fazer.

(Refrão)

Uma prudente regência,
Um monarca brasileiro
Nos prometeram venturosos
O porvir mais lisonjeiro.

(Refrão)

E vós, donzelas brasileiras,
Chegando de mães ao Estado,
Dai ao Brasil tão bons filhos
Como vossas mães têm dado.

(Refrão)

Novas gerações sustentam
Do povo a soberania,
Seja isto a divisa delas
Como foi de abril um dia.

Da Pátria o grito
Eis se desata
Desde o Amazonas
Até o Prata.

          A cena: no Cais Pharoux, no Largo do Paço (hoje, Praça 15 de Novembro, Rio de Janeiro), navio inglês esperando o príncipe português e família e os trens, posto que ele iria, via Paris, reassumir sua vaga na Coroa Portuguesa. Além do barulho das “girândolas de foguetes”, o Povo deve ter-se-inflamado mesmo, naquela solenidade, co poema de Ovídio Saraiva. De fato, a primeira, a segunda e a terceira estrofes (em que aparecem os “monstros”) representavam muito bem essa desforra com os portugueses que espoliaram nossa pátria. Tanta raiva que, na sétima estrofe, nosso vate escorrega por conta de um preconceito sem cabimento contra judeus e mulçumanos. Santa guerra, Batman! Mas tudo bem, era de bom tom esse bater forte nos “inimigos”. Não foi diferente com o ilustre Luís Vaz de Camões, que, no seu Os Lusíadas, atacando a “maura lança”, não poupa verbo contra.
          Mesmo se o “reescritor” do texto de Ovídio, na época de Pedro II, tivesse retirado a primeira, a segunda, a quinta, a sexta e a sétima estrofes (tornando o poema mais pacífico e bonito); o fato de o texto ter sido escrito para honrar a abdicação de Dom Pedro I, em sete de abril de 1831, e não a independência do Brasil ou mesmo a coroação de Pedro II, já seria um motivo suficiente para justificar, primeiro, a reescritura do texto; segundo, a substituição por outro poema, quase um século depois. Por essas linhas, portanto, o poema de Ovídio refratava o sentimento público àquele momento. Por outras, foi esquecido, pois, o segundo Imperador do Brasil, Pedro II, não iria admitir tal ofensa a Portugal. O poema, então, foi substituído; melhor, foi reescrito; já que, dele, foi mantido, ao menos, pelo que se-sabe, o refrão. Há historiadores osquais chegam a afirmar o contrário: o refrão é que foi acrescido ao hino. A confirmar a versão que Adrião Neto apresenta em seu livro, a qual tem como fonte primária o volume publicado pelo Departamento de Letras da Universidade Federal do Piauí, em 1989, essa última hipótese é improvável. A não ser que essa versão seja mais uma contrafação. Editores; traidores!
          Disso tudo, o que vale ressaltar é o fato de que, no dia 13 de abril de 1831, começou a transformar-se em música-e-letra a composição do Hino Nacional Brasileiro. Quanto à música, não restam dúvidas de que ela é, sim, uma “reescritura” daquela “Marcha Triunfal”, de 1822. Ao menos, é o que garantem alguns. Não no-sei ao certo. Eu suponho: a cada ano, a composição ia sendo ajustada. Até a partitura de Francisco Manuel ser adotada, em 1837, como a “oficial”, em solenidades do reino, e chegar ao ano de 1841, em que Dom Pedro II foi coroado Imperador do Brasil, com o título e o poema adaptados. Se o poema, cuja autoria da reescritura não foi identificada (ao menos, é o que pude constatar), não foi mantido ao longo dos anos por questões óbvias de conteúdo; o mesmo não se pode falar da partitura de Francisco Manuel da Silva, aqual foi reconhecida a partir daí como o Hino do Império. Para essa solenidade, como foi dito antes, a letra do hino foi reescrita, tendo este conteúdo, como o reproduz Pedro Nicolau no seu livro Em Defesa do Hino Nacional Brasileiro (Curitiba, Ed. Juruá, 2007):

Hino da Coroação

Quando vens, faustoso dia,
Entre nós raiar feliz
Vemos só na liberdade
A figura do Brasil.

Da Pátria o grito,
Eis se desata
Do Amazonas
Até o Prata.

Negar de Pedro as virtudes,
Seu talento escurecer,
É negar como é sublime
Da bela aurora o romper.

Da Pátria o grito,
Eis se desata
Do Amazonas
Até o Prata.

Exultai, brasílio povo,
Cheio de santa alegria,
Vede de Pedro o exemplo
Festejado neste dia.

Da Pátria o grito,
Eis se desata
Do Amazonas
Até o Prata.

          Não somente pelo descuido da ausência de rima na primeira estrofe (se o texto for esse mesmo!), mas, sobretudo, pelo tom bajulatório e simplório, pra fazer eco do caráter do poema, vê-se que o texto foi reescrito realmente por alguém não muito interessado em perpetuar seu nome na história dessa composição. Contudo, há que se-destacar, nela, um aspecto que acredito ser importantíssimo em se-tratando do andamento das solenidades de modo geral: a curta extensão do texto. Fato que não ocorre com o atual poema de Joaquim Osório, oqual, a meu cantar, é um tanto longo (quase cinco minutos de extensão!); pois, se devemos prestar essa homenagem ao nosso país; então, é dar outro tanto de praticidade (conceito da pressa urbana) à solenidade. Não nego: o poema foi, sim, um aliado fortíssimo para a fixação da melodia do hino; todavia, um texto longo não favorece tanto a memorização. Mas, pra acirrar a “disputa” na preferência do povo, a partir de 1824, apareceu outro hino, oqual era também executado nas solenidades: o Hino da Independência. É, nosso galã-imperador também compunha. Aliás, Dom Pedro I foi aluno de Marco Antônio da Fonseca Portugal (1760-1830), mestre da Capela Real no tempo em que Francisco Manuel ainda era músico nessa instituição. Com seus dotes musicais (ou será que já havia na Corte um ghost composer?), Dom Pedro I musicou um poema de Evaristo da Veiga (“Hino Constitucional Brasiliense"), composto em agosto de 1822, antes do 7 de Setembro. Como Pedro I resolveu pegar a barca pra Europa, como foi dito, seu filho, Pedro II, preferiu “oficializar” a música de Francisco Manuel. Meio caminho caminhado. A pedra, agora, era a letra, o poema.
          Assim é que datamos neste parágrafo o ano de 1890, já na República. Nesse momento histórico, depois de expulsa do país a Família Real, é evidente que as referências à monarquia estavam “proibidas”. Assim, mais uma vez a composição de Francisco Manoel e, principalmente (sem trocadilhos), todos os poemas já escritos para ela foram deixados de lado. Mais história: a República também queria exaltar a Pátria, mas com outro texto. Chegamos, então, ao primeiro concurso em que está em jogo a composição de um Hino Nacional Brasileiro. Na cabeça dos republicanos, a intenção de apagar tudo o que cheirasse, escrevesse, tocasse a monarquia em nosso país. Boa jogada; contudo, não vingou toda. Olhem pra trás: a composição musical de Francisco Manuel da Silva, que teve suas primeiras notas escritas em 1822, depois de 68 anos (sobretudo nos últimos quarenta anos, no reinado de Pedro II), há muito já tinha sido absorvida pelos brasileiros como sendo o seu hino. Tanto isso é verdade que o próprio Deodoro da Fonseca, antes do resultado desse primeiro concurso promovido pelo governo, já havia manifestado sua opinião favorável à manutenção da música de Francisco Manuel; ainda mais depois que certa parcela de brasileiros manifestou apoio ao Presidente. Porisso que à composição vencedora do concurso, com música de Leopoldo Miguez (1850-1902) e poema de José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque (1867-1934), foi dado somente o título de Hino da Proclamação da República. Legalizando sua posição, o governo do marechal editou o Decreto nº171, de 20 de janeiro de 1890, oaqual ratifica essa condição à música de Francisco Manuel. Quer ouvir o hino pra ver se eles têm razão? Vai pra http://www.brasilescola.com/historiab/hinodaproclamacaodarepublica.

Hino da Proclamação da República

Seja um pálio de luz desdobrado
Sob a larga amplidão destes céus
Este canto rebel, que o passado
Vem remir dos mais torpes labéus!
Seja um hino de glória que fale
De esperanças de um novo porvir!
Com visões de triunfos embale
Quem por ele lutando surgir!

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Nós nem cremos que escravos outrora
Tenha havido em tão nobre país...
Hoje o rubro lampejo da aurora
Acha irmãos, não tiranos hostis.
Somos todos iguais ao futuro
Saberemos, unidos levar
Nosso augusto estandarte que, puro
Brilha avante, da Pátria no altar!

(Refrão)

Se é mister que de peitos valentes
Haja sangue no nosso pendão,
Sangue vivo do herói Tiradentes
Batizou este audaz pavilhão!
Mensageiros de paz, paz queremos,
É de amor, nossa força e poder,
Mas da guerra nos transes supremos,
Heis de ver-nos lutar e vencer!

(Refrão)

Do Ipiranga é preciso que o brado
Seja um grito soberbo de fé!
O Brasil já surgiu libertado
Sobre as púrpuras régias de pé!
Eia, pois, brasileiros, avante!
Verdes louros colhamos louçãos!
Seja o nosso país, triunfante,
Livre terra de livres irmãos!

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Fonte: Música na Escola Primária, 1962, MEC.

          Sobre essa composição também pesa o tom belígero, se considerarmos o passado, nessa visão kamikaze de patriotismo, ou o caráter incitativo de violência, se quisermos uma fala do presente, no educar dizendo às crianças que não há por que morrer se podemos agir vivendo. Até o refrão, o que ainda permaneceu na memória do povo, prefiro-o com a reescritura do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis: “Liberdade! Liberdade! / Abre as asas sobre nós, / E que a voz da igualdade / Seja sempre a nossa voz!”. Agora, releia estes versos, por exemplo: “Se é mister que de peitos valentes / Haja sangue no nosso pendão”, “Mas da guerra nos transes supremos, / Heis de ver-nos lutar...”. Eles equivalem ao “Desafia o nosso peito a própria morte” e ao “Nem teme, quem te adora, a própria morte” do poema de Joaquim Osório. Claro que não chegam à incitação do hino francês, a Marselhesa:

“-Aux armes citoyens
Formez vos bataillons
Marchons, marchons
Qu'un sang impur
Abreuve nos sillons”

          Isso, sim, é grito de guerra: pra guerra! Não. Não gosto dessa ideia de “morrer pela pátria”. Comigo, não, violão, timbales, violoncelos! Tudo bem, não estou negando o atavismo da violência; contudo, é preferível evitá-la. Ainda mais quando devemos educar crianças e adolescentes! Vamos, portanto, tentar resolver na conversa, meu povo. Desconverso: sabia que, somente depois do primeiro concurso pra escolher um poema pro hino, alguém falou contra o fato de o Hino Nacional Brasileiro não ter uma letra, um poema? Pois é, foi um escritor maranhense, de Caxias, Henrique Maximiano Coelho Netto (1864-1934), quem, estando dePUTadO, na Câmara Federal, no Rio de Janeiro, em 1906, fez um pronunciamento fervoroso em favor de um novo concurso pra escolher uma letra pro hino, já que a própria República havia ratificado a escolha da música de Francisco Manuel. Então, aqui, chegamos à segunda parte de nossa história, a do poema de Joaquim Osório Duque-Estrada.
          Nesse ponto, portanto, devemos gravar outras duas datas, dois fatos relativos a esse segundo concurso em que o Hino Nacional estava envolvido. Desta vez, entretanto, era somente a escolha de um poema. Assim, em 1908, dois anos depois do discurso do escritor e Deputado Federal Coelho Netto, o então Ministro da Justiça, Augusto Tavares de Lira, abriu o concurso pra escolha de um poema que fosse incorporado à música de Francisco Manuel. Por decisão dos jurados, em 1909, o texto de Joaquim Osório foi o vencedor. Assim, hoje, em 2009, está fazendo cem anos que todos “ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heroico o brado retumbante”, esse hipérbato que as gentes ainda não entendem, somente cantam de boca, pois aprenderam de ouvido. 1909 é, sem dúvida, o ano da primeira escritura do texto do Hino Nacional Brasileiro, composto por Joaquim Osório. Pois bem. Todos sentados em frente à tela, vamos ao Hino Nacional Brasileiro, neste sítio do governo: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/.../hino.html.
          Bonito. Mas o poema de Joaquim Osório Duque-Estrada, da forma como é cantado hoje, somente teve essa escritura em 1922, ano do centenário da independência. Nesse ano, mais uma vez, o Governo decretou sua preferência co número 15.671, de 6 de setembro de 1922. Bem na “boca da matança” do centenário, se considerarmos essa “data histórica”, como o sempre quiseram os governos, sobretudo, os militares de farda e de terno. É, Milton, no Brasil, o patriotismo andou muito coa canalha!
Quanto a essa “letra definitiva” que deu ao hino Joaquim Osório, quem quiser pode encontrar na rede seu autógrafo, mas, pra adiantar a conversa, mostrá-lo-ei a quem lê-me (rema!) agora, navegando. Vai:





          Antes de chegar a essa versão, entanto, é sabido que, conforme cópias do texto original de 1909, guardadas na Biblioteca Nacional, , Joaquim Osório fez mais de uma dezena de alterações no poema. Pedro Nicolau Pinto, no seu livro Em Defesa do Hino Nacional Brasileiro apresenta duas fotocópias de alterações/reescrituras feitas pelo próprio poeta. Eis uma delas:



          A primeira dessas reescrituras está logo no segundo verso do poema: de “Da independência o brado retumbante”, cuja aliteração não é tão eufônica, passamos a “De um povo heroico o brado retumbante”, cuja “doçura” do verso apresenta-se numa enunciação mais harmônica, agradabilíssima. Noutro verso, ele inverte: sinta como o sáfico deste verso “Ao som do mar e à luz do céu profundo” soa mais agradável, quanto à relação cesura/harmonia, do que o heroico “Entre as ondas do mar e o céu profundo”, cujos hemistíquios são um tanto desproporcionais à harmonia da música e à leitura em-voz-alta. Certamente objetivaram melhorar essa relação poema/música. Vale lembrar novamente que a partitura do Hino Nacional Brasileiro foi construída ao longo dos anos; antes mesmo de todos os poemas que lhe incorporaram. Para que o poema pudesse “preencher” a música, Francisco Manuel deve ter feito, assim como os poetas tiveram de fazer, algumas concessões e modificado sua partitura, ao menos, duas vezes, suponho: a primeira em 1831, quando do “casamento” com o poema de Ovídio Saraiva; a segunda (menos aguda?), possivelmente quando sua composição atingiu o status de Hino do Império. Certo que, nesse momento, ele, como músico e compositor, não deve ter-se furtado ao ato de “reescrever”, de ajustar algum acorde de sua música para melhorá-la. É fato: mesmo que o texto daquela época fosse metricamente semelhante ao de Ovídio Saraiva, algum ajuste sempre é feito em se-tratando de novas execuções da composição. Ao vivo é mais difícil. Complico (não explico, Chacrinha, nem le-explico): um poeta que não lê seus poemas em voz-alta, que não ouve o texto, não concordará com o que digo. Mais complico: dentre as manifestações artísticas humanas asquais existem, a literatura e a música são as duas mais liberadas pras reescrituras, mesmo que o teatro, a dança, a pintura, a fotografia também possam-no ser de alguma forma. Assim é que tanto os músicos que executam suas músicas ao vivo quanto os poetas que falam/cantam seus poemas em performances ou espetáculos artísticos podem ter uma “sacada de momento” (o insight dos fashion!) quanto a uma nova forma pra expressão.
          Não quero, com esses cogitos de filósofo magro, criar máximas pra um detalhe mínimo. Mas não deixo de pensar isto: o texto não é sagrado; logo, não-absoluto. Não deve ser considerado “intocável” (sem trocadilho com a música; falo do poema) um texto, seja ele um poema ou uma obra inteira. Neste último caso, a “pedra-peixe” de Rubervem du Nascimento, pra mim, é o paroxismo mais criativo dessa postura “reescritiva moderna-pós nacional” (como lê, foi Odorico quem cunhou esse termo). Com os escritores mais próximos deste 2009, em que segundas ou terceiras edições foram possíveis, essa verdade é quase ar. Respiro: há de chegar, sim, o “ponto certo”, o já-enchi-o-saco-disso; entanto, quem sabe. Daí, o poder o pai-da-criança rever trechos, excertos. Ecôo: é certo que escritores de todos os tempos talvez quisessem melhorar o texto “definitivo” sempre. No Brasil, exemplos dessa atitude podemos ler em Raul Bopp, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, osquais estão mais próximos e dentro da linha em que escrevo. E mais: o nosso colega de bairro, Assis Brasil, com o seu Beira Rio Beira Vida, encontra-se mais próximo ainda. Não vou gelar esse ponto de vista, mas todos esses escritores enxugamos textos. Meu exemplo: o BardoAmar de 2000, com que fui classificado em segundo lugar no Prêmio Torquato Neto de Poesia, é o mesmoutro livro que foi editado por mim em 2003 e pela FUNDAC em 2005; e, para a sua terceira edição, já tenho nova “versão definitiva”, até que a morte nos-encape. Às vezes, nem ela dá fim a isso, pois, no Hino Nacional Brasileiro, por exemplo, foi feita uma “adaptação vocal, em fá maior” pelo maestro cearense Alberto Nepomuceno em 1922, mesmo já estando Francisco Manuel morto há 57 anos! Além da “marcha batida, de autoria do mestre Antão Fernandes” aqual integra “as instrumentações de orquestra e banda”, segundo rege a Lei 5.700, assinada pelo militar-presidente Emílio Garrastazu Médici em 1971.
          Aqui, então, gostaria de levá-los ao xix da quextão desse texto, que não é o de contar a história da música e do poema do Hino Nacional Brasileiro (isso foi de-nelson, de brincadeira), mas, sim, propor uma polêmica tal que me-exporá (e pode até esporar alguém!) mais ainda do que o-fiz acima: a internet é a hipérbole das bancas, é a exposição na certa. Por mim, então, preciso avisá-los de que este texto é minha opinião; assim, depois de lê-lo, ao considerá-lo, criticar-lhe as ideias, dizer-me equivocado, peço que o-faça honestamente, sem ressentimentos.. Não. Se aqui proponho a “reescritura” do poema do Hino Nacional Brasileiro, não vou fazê-lo de má-fé nem buscar esse tal de “politicamente correto”. Ou coisa alguma vantajosa. Faço-o porque o-quero! Interpreto o hino. Interpreto meu papel. Faço-o como o determina a dita Lei 5.700, de 06/09/1971, que é dura neste sentido: “É obrigatório o ensino (...) do canto e da interpretação da letra do Hino Nacional”. É lei; deve ser cumprida em “estabelecimentos públicos ou privados de ensino fundamental (...) uma vez por semana”, como, a partir de 22/09/2009 (agorinha!), a Lei 12.031 acrescentou ao artigo 39 da “lei dos militares” de 1971.
          As escolas privadas, certamente, não terão grandes problemas para fazê-lo; porém, não digo o mesmo das públicas, asquais, em sua grande maioria, não apresentam nem mesmo estrutura física adequada para isso: muitas não têm bandeira, não possuem um mastro para hasteá-la, não dispõem de um espaço adequado para a acomodação dos alunos. Um caos. Sem falar na falta de atitude e de interesse de certos diretores e, principalmente, dos alunos, em realizar essa tarefa. Quase todos reclamam que a imposição da lei não favorece a aquisição do patriotismo desejado. Concordo. Mas o que fica subentendido nas respostas dessas pessoas, ao serem questionados sobre isso, é que também não gostam de realizar tal obrigação porque não entendem nem conhecem o poema do Hino Nacional, apesar de reconhecerem a música e gostarem dela. A razão principal desse desentendimento está no fato de que a Lei é descumprida no aspecto do “ensino do canto e da interpretação da letra do Hino Nacional”. Por isso, não fica difícil entender por que os jogadores da seleção brasileira de futebol fazem, em rede mundial, aquela cena ridícula de fingir estar cantando o hino, movimentando os lábios sem cantar p... nenhuma! Vergonhoso, os “imperadores” não saberem isso? Um hino tão bonito. Digamos, é a realidade dessa “realeza” de nosso país; já que ela vem, em grande parte, dos estratos mais humildes de nossa sociedade. Percentualmente, há que engolirmos esta derrota: no mínimo, a “maioria absoluta” do povo brasileiro não sabe cantar nosso hino. E isso vai além dessa lengalenga de patriotismo; isso envolve educação mesmo. Na maioria das escolhas (inclusive, nas privadas), a música ainda não é um conteúdo bem-vindo, apesar de a LDB de 1996 já o-determinar. Estudar música, a relação desta com a poesia, parece até utopia, num país com tantas “necessidades básicas”. Crianças e adolescentes mal educados formalmente pela escola.
          Como uma "consequência das conseqüências" desse despreparo, muitos alunos não conseguem reter o Hino Nacional em suas mentes, como um "Símbolo da Pátria". Além do descompromisso com essa ideia de patriotismo, um “aspecto técnico” que justifica essa dificuldade para a memorização da letra do hino pelos alunos está, a meu ler, no fato de Joaquim Osório ter “dobrado” a composição de Francisco Manuel (poema maior, portanto, “ai, que preguiça”, Mário!), tornando-a mais longa, pois, em sua partitura original (apenas uma parte!), a música tem a duração de, aproximadamente, 1’50’’ apenas. Tanto isso é verdade que a própria Lei 5.700, que ainda está vigorando, determina, no inciso IV do artigo 6º, que, nos casos de "simples execução instrumental", tocar-se-á a música integralmente, mas "sem repetição" (estão ouvindo?). Daí, a dica pros diretores das escolas: se o parágrafo único que foi acrescido pela Lei 12.031 ao artigo 39 da Lei 5.700 refere-se somente à execução do Hino Nacional, o que pode ser feito pela execução instrumental ou pela execução vocal; então, basta que sejamos mais práticos e executemos a primeira opção. É o que ocorre muitas vezes em solenidades pelo país afora e mesmo no estrangeiro. Porque é mais dinâmico e muitíssimo razoável (menos chato mesmo, dirão os alunos). Porém, essa estratégia não é a desejável, posto que, assim, o poema vai ser “deixado de lado”. E a glória, como resolvemos ilson?
          Creio que o certo seria também “cortar” o poema pela metade. E aqui, devo dizer aos Duque-Estrada que não estou defendendo nenhum desrespeito ao poeta ou à pessoa de Joaquim Osório. Não é isso. Aqui, novamente, sigo as linhas da Lei: se interpretarmos, de fato, o poema do Hino Nacional, constataremos alguns pequenos “problemas”. O primeiro deles diz respeito à verdade histórica, pois essa história de “independência ou morte” as margens do Ipiranga já fez dormir toda uma gigantesca boiada. Sou eu quem grita: chega! Ademais, a inversão contida na primeira estrofe já fez com que muitos não dessem atenção a essa burla muito prestigiada pelos militares, os quais herdaram de Getúlio esse “nacionalismo” pautado na figura dos “heróis nacionais”. Pra complicar mais ainda, Abelardo, muitos professores de Língua Portuguesa crêem ser mais importante desenrolar o hipérbato dessa estrofe do que questionar a coerência do período. Ainda bem que há outros professores que buzinam outras cores. Tânia Unglaub, por exemplo, citando José Miguel Wisnik, afirma que os hinos, como “representações sociais” desencadeiam em nós “forças psíquicas” de aceitação ou de ressentimento, conforme a experiência de cada um. Não tenho dúvidas, portanto: não aceito essa “mentira histórica”.
          Outro conteúdo que não dá pra aceitar também é o tom belígero que nosso hino sugere em trechos a que me-referi anteriormente. Porisso, concordo, parcialmente, apenas, com a historiadora e professora da USP Laima Mesgravis, aqual afirmou, numa solenidade, em São Paulo, no dia 7 de maio deste ano, que “nosso hino é pacífico e bonito”. Eu diria melhor: lindo e um tanto belicoso. Certo que não da mesma forma que a Marselhesa, que incita à guerra. Não. Mas “Desafia o nosso peito a própria morte” ou “Verás que um filho teu não foge à luta, / Nem teme, quem te adora, a própria morte”, convenhamos, não é lá um conteúdo pacífico que se possa ensinar às crianças. Paciência, que, já o-disse, esse “morrer pela pátria” já caiu de moda faz tempo. Desculpe, professora, mas tal “pacifismo”, nesses moldes, eu dispenso. Se a beleza é o fundamental, por que, então, não darmos ao poema de nosso hino essa leveza que todos aclamam haver nele e a extensão compatível com a da música original de Francisco Manuel da Silva? Assim, a partir do fato de que esse tipo de texto (um poema que venceu um concurso, que deu ao seu autor um prêmio em dinheiro), foi elaborado para “pertencer” ao Estado, é aceitável que se-possa fazer nele algumas modificações. Não foi isso que ocorreu em 1922, quando Joaquim Osório fez algumas alterações a pedido do governo, ou quando, em 1971, a Lei 5.700 determinou que, na execução instrumental do hino, a “marcha batida, de autoria de Antão Fernandes integrará as instrumentações de orquestra e banda” e, ainda, que deverá ser “mantida e adotada a adaptação vocal, em fá menor, do maestro Alberto Nepomuceno”? Não há desrespeito nisso. Pra mim, certamente, o Hino Nacional Brasileiro ficaria, de fato, “pacífico e bonito”, se tivesse preservada somente esta seguinte parte:

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida",
"Nossa vida" no teu seio "mais amores".

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro desta flâmula
- Paz no futuro e glória no passado.

Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!

          Bravo, Joaquim Osório! Bravíssimo, Francisco Manuel! Esse hino tá clichê: Show de bola! Mas quem quiser cantar do modo original que cante, que eu canto, cá, esse “canto de vida”, oqual, ainda, é criação magnífica de Francisco Manuel da Silva e de Joaquim Osório Duque-Estrada. Tá escrito: só cantarei do hino tão docemente, se for por esses termos tão consertados!

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