sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Outro filho de Pablo tocou a terra e deixou cair algo nela, sua fala: "miro en la oscuridad hacia tantas ausencias"

Las Manos Negativas

Cuando me vio ninguno
cortando tallos, aventando el trigo?
Quién soy, si no hice nada?
Cualquier hijo de Juan
tocó el terreno
y dejó caer algo
que entró como la llave
entra en la cerradura:
y la tierra se abrió de par en par.

Yo no, no tuve tiempo
ni enseñanza:
guardé las manos limpias
del cadáver urbano,
me despreció la grasa de las ruedas,
el barro inseparable de las costumbres claras
se fue a habitar sin mí las provincias silvestres:
la agricultura nunca se ocupó de mis libros
y sin tener qué hacer, perdido en las bodegas,
reconcentré mis pobres preocupaciones
hasta que no viví sino en las despedidas.

Adiós, dije al aceite, sin conocer la oliva,
y al tonel, un milagro de la naturaleza,
dije también adiós, porque no comprendía
cómo se hicieron tantas cosas sobre la tierra
sin el consentimiento de mis manos inútiles.

(Pablo Neruda, em ‘Las Manos del Día’)




As Mãos Negativas

Quando me viu alguém
cortando talos, peneirando o trigo?
Quem eu sou, se não disse nada?
Qualquer filho de João
tocou o terreno
e deixou cair algo
que entrou como a chave
entra na fechadura:
e a terra se abriu de par em par.

Eu não, não tive tempo
nem ensinamento:
guardei as mãos limpas
de cadáver urbano,
me desprezou a graxa das rodas,
o barro inseparável das vestimentas claras
se foi a habitar sem mim as províncias silvestres:
a agricultura nunca se ocupou de meus livros
e sem ter o que fazer, perdido nas bodegas,
concentrei-me em minhas pobres preocupações
ainda que não tenha vivido senão nas despedidas.

Adeus, disse ao azeite, sem conhecer a oliva,
e ao tonel, um milagre da natureza,
disse também adeus, porque não compreendia
como se fizeram tantas coisas sobre a terra
sem o consentimento de minhas mãos inúteis.


(Tradução de Luiz Filho de Oliveira)




terça-feira, 27 de outubro de 2009

Osvaldo, diz pro Mário que nosso encontro lá no Piauí é sempre intempestivo (mesmo na rede)



ondeAndradeandaretooutropoetatorto

brasileiro-acorde
te-acordo por não ter-te-visto ali
lá no Piauí!: lar do primitivo
dos humanos nossos de ondes passados
(né Niède?  né Chovenágua?)

e te-acordo por não ter contigo
café bebido e bebida cajuína cachaça vinho
– tragam pra mim um coquetel paulista:
mar + rio... tanto mar tanto rio... please!
e bebamos ao possível poema vivo
e a nota (não conta) cante o tom plurilíngue
e a harmonia ao som enxame!

masporém brasileiro-ser-guerreiro
num ringue acre pronta pra nos-matar
a escureza está – também a virgem mata! –
tangendo o ataúde o cantocalar
e nós cantamos este canto miscigenado:
tupi and not tupi
globe theatre ou municipal aqui
nesse chão que é também meu
brasileiro que nem eu!

e sem muito papo mansamente em porém
cena resistência – manosabença
pois nos jamais veremos entanto
te-sinto – meu poeta nativo – onde
este eu brasileiro que nem tu anda
ruminando outro brasileiro dormido
a le-desejarcuma enorme diferença
de crença e de desejo e de pensamento – o bem
da humanidade: aos bondes! de carrada!

e ainda brasileiro amigo: é bom
ter passado in tua vida in ronda paulistana
si rota policio circandandobliquamente
in estradas Andrades andadas extratos
de alguéns que nem eu & tu & ele
brasileiros que nem tudo!


(Em São Paulo, ante a entrada, na calçada do teatro municipal.)

sábado, 24 de outubro de 2009

Countee Cullen pôs a língua pra fora e escreveu um poema; então, um afrojamaicano grita com ele: “In the abundance of water, the fool is thirsty”



O poeta estadunidense Counte Cullen foi um dos muitos poetas afrodescendentes que apareceram nas bancas e nas livrarias, após a eclosão do Negro Renaissance, movimento afroamericano, surgido em New York, na década de 1920, no bairro do Harlem, o gueto dos negros estadunidenses que vieram do Sul do país por causa do término da Guerra de Secessão. Não ficou tão conhecido como o seu compatriota Langston Hughes (The Weary Blues, 1926) ou mesmo como o poeta Claude MacKay (If We Must Die, 1919, e Harlem Shadows, 1922), um dos precursores desse “Renascimento Negro” do Harlem.
             O que Countee Cullen tem em comum com esses poetas e outros escritores, músicos, atores e artistas plásticos estadunidenses dessa época é a “tomada de consciência de ser negro”, advinda, principalmente, das ideias de Willian Edward Burghard Du Bois, a quem Zilá Benrd chamou o “pai do movimento”. Essa postura dos escritores afroamericanos despertou interesse dos editores brancos; com isso, a literatura afrodescendente tomou novos rumos nos Estados Unidos e, consequentemente, em outros países.
Não foi à toa que movimentos posteriores como o Indigenismo haitiano ou o Negrismo cubano (oqual nos legou um poeta do porte de Nicolas Guillén, Motivos de son, 1930) ecoaram também na Europa com a Negritude francófona em Paris (Aimé Cesaire, Leopold Sedar Senghor e Leon Damas). Ecos do Negro Renaissance também são sentidos nos poemas do brasileiro Solano Trindade (Cantares do meu povo, 1961), a quem os estudiosos apontam como o primeiro em nossas letras a assumir essa mesma postura dos escritores negros estadunidenses; a despeito, é claro, de ter havido em nosso país , no século XIX, alguns precursores dessa atitude, um deles é o poeta Luiz Gama.
O certo é que as vozes negras desses poetas todos cantam, a partir da década de 1920, quase em uníssono, tanto a assunção da negritude e da herança africana quanto as queixas de uma gente atingida pela Diáspora trágica, que foi marcada na pele de povos da África, em tantos países, sobretudo, nos das Américas. Canta-nos, Countee, o teu canto negro:



INCIDENT

Once riding in old Baltimore,
Heart-filled, head-filled with glee,
I saw a Baltimorean
Keep looking straight at me.

Now I was eight and very small,
And he was no whit bigger,
And so I smiled, but he poked out
His tongue and called me: “Nigger”.

I saw the whole of Baltimore
From May until December:
Of all the things that happened there
That’s all that I remember.

(Countee Cullen)



INCIDENTE

Certa vez andando em Baltimore,
Tão alegre, em regozijo,
Vi um baltimoreano
Mantendo o olhar em mim, fixo.

Eu tinha oito e era pequeno,
E o seu tamanho era o mesmo;
Então eu sorri, mas ele
Deu-me a língua e disse: “Negro”.

Eu vi Baltimore toda
Desde maio até dezembro:
De tudo o que ocorreu lá,
Isso é só o que eu lembro.


(Tradução de Luiz Filho de Oliveira)




sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O lírico e o anti são o ponto donde vem a personagem a falar no poema suas falas ou Este aqui é para quem está com malcaratismo contra o Mim




num poema em linha oblíqua confessa-se esse poeta a um seu mestre e diz-se convicto disso

e eu tantas vezes derrotado aos tapas
enxovalhado por uma chuva de metáforas
eu  –  que fui traído & ridículo mais ainda
que tenho querido ser poeta menor que
já todos os meus mestres tinham sido
que tenho o nome & o corpo sujos por
este caminhar-se deste mundo pelos sítios
que fui aos Infernos muita vez brindar com Caronte
que tenho sido acusado de mau grosso estúpido
sabendo o tanto disso que é verídico!

eu – Fernando –  somente não fui príncipe
pelo tempo suficiente ao que deveria tê-lo fingido
fui eu mesmo ferido pelos golpes contra mim desferidos
porisso eu te-confesso isto (estou de guarda: aberto):
apesar de teres sido tão cruel contigo tu ainda
haverias de convir comigo: não somos assim tão vis
há outros mais ruins e não via textos mas
nesta verdadeira vida mesma




(Em Pessoa, passeando por seus campos de versos.)

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Um poema para a poesia num ponto duma tela neste planeta e continua aqui se-escrevendo


 
-->
amarração

velo-te-levo qual ondas vagas
náufragas em ficções abismais praias
sedentas de cantigas

mais: a movimento prata – como
rebentando-se à proa das pedras – cais em mim
nestes maravilhoso sentimento ancoradouro poema

em que pesam amarras sobre nossos
mundos hoje diferentes: navegado entre
linhas o rumo trançado por nós

se novos monstros insistem
em querer abalar superfícies: esta
nossa profundidade não no-conseguem

marinho: velas agora estes versos
para que noutra hora te-sejam leme antena
nau que em correntes freme intensa

e que os recifes  –
esses acocorados inimigos das quilhas – 
tampouco os-teme

em teus mares dalém portugueses se primitivo
me-exponho em desenhos & cartas sobre teus planos
vaga-me o que praia em certas rotas tortas

então não importa os velhos deuses
estarem de quase todos descrentes (acreditas?)
nem mais se-mudarem em ventos

também não se não me-entendes pois 
se verso tormenta em calmaria de cais te-contenho
neste quando me-atraco-te onde humano

âncora a amplo cérebro capital (ex-coração)
não a mar de antigos navegantes onde
pelo cabo criam serem tragadas as naus

rEPICO (luízes têm dito a Bacos & a gentes):
não raro a sorte do barco de Vascos (ainda que vasto)
deixa de ser o infundado oceano terreno

visto haver pouco amarrar-se em porto
que não traga vária avaria aos poucos
ou velar-se o glório em nau frágil a mar


(BardoAmar. Teresina, 2003-2009.)


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Na língua de Emily Dickinson: "I do not go from home!"


A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day.


       (Emily Dickinson)





Uma palavra expira
Quando ela é dita,
Dir-se-ia.
Digo que só
Começa a vida
Nesse dia.


(Tradução de Luiz Filho de Oliveira)