segunda-feira, 15 de agosto de 2011

AQUELAS FLORES AINDA SALTAM NO MEU CÉU!


Quase nenhum garoto do bairro Primavera do final da década de 70 e início da de 80 deixava de admirar os paraquedistas (o hífen foi retirado para não atrapalhar a queda) que executavam suas manobras lá pras bandas da curva do rio Poti, talvez perto da floresta de fósseis que há em seu leito, depois da ponte da Frei Serafim. Com seus paraquedas redondos, aproveitando a corrente de ar que os levaria até a pista do aeroporto, passando por cima de nosso bairro (que beleza!); aquilo era surpreendente para qualquer criança setentoitentona, e isso não era diferente para mim, que vinha, como já o-disse noutras vezes, de uma cidadezinha do interior, que me-madrastou mansamente: essa Alto Longá – domundopróximo – distante. Em Teresina, nesses idos, olhávamos os meninos para cima, à espera de todos (e, em expectativa, de um) pularem.
Hem-hém. Quão fácil era prender a atenção de crianças assim! Sim, tão pouco era necessário. E, imaginem só, assistir à audácia daqueles homens: o desafio de confiar em equipamentos, em tecnologia de afronta à gravidade – dane-se Newton; todos queríamos vê-los saltando davincianamente para um voo planado por asas de tecido sintético! Redondinhos. Sim, os paraquedas ainda eram os redondos, mesmo o italiano engenhoso tendo-os pensado piramidalmente mais pesados e quadrados e os nossos contemporâneos, mais leves e retangulares, com a possibilidade de o paraquedas ter manobrada a sua direção. Então, os meninos de olho no céu, à procura dos pontinhos coloridos que desabrochavam uma flor salva-vidas; perigosa ideia do desejo humano do voar, oqual, ainda hoje, renova suas asas com as penas de outra tecnologia, criada da ciência. Quer ler? Hoje, agosto de 2011, aposto se há tanto alguém nesta ilha terrena que ainda queira voar com o grego, usando as asas de cera que Dédalo criou para si e seu filho, Ícaro (não escrevo do paraquedas de Da Vinci, porque isso já foi feito; a foto que ilustra esse texto comprova-o!).
É, o não ter asas para voar deu ao humano a possibilidade de trabalhar com as mãos (estendam-se os braços), esses Oficiais de Justiça do cérebro. Foram essas mãos, por exemplo, que criaram essa possibilidade de sobreviver qualquer um que pule de qualquer lugar (estático ou célere) estando a tantos metros do chão. Claro que esse “qualquer um” foi somente para ilustração de que há pessoas que fazem isso. Mas não o-é para todos. Para nós, os meninos que observávamos estupefatos de alegria aquela loucura de se-atirar de um avião a mais de dois mil metros de altitude, ainda não havia nada que se-comparasse a isso. E, nesta linha mesma, me-vem à mente o nome dum homem (claro que havia outros com ele!); não, digo, de seu apelido: Louro. Loro (pra confirmar a nossa “morte do ditongo”, já praticada pelos espanhóis, de mais antiga língua).
Quem era esse cara? Ainda hoje sei pouco sobre ele. Certa vez, aqui, em Teresina, encontrei um seu filho, um fotógrafo, de nome Cleyton, não lembro bem (sei que o-conheço), que falou qual era o verdadeiro nome de Louro, seu pai, mas infelizmente perdi isso em minhas agendas; foi mal, Cleyton (nem sei se seu nome é escrito assim), mas talvez alguém possa reconstituir os fatos dessa história teresina, que, junto-com os meninos, também eu vi. Isso, se não já o-tiverem feito. Talvez alguns poucos possam-se-lembrar de Louro e de seus companheiros de saltos. Eles são os primeiros em nossa capital? Eles, de fato e de saltos, não deixaram quaisquer seguidores pelos ares dessas suas quedas de -longe? Quem sabe? Sei que foram ousados. Nem sei se há ainda, aqui, nesta capital, algum grupo que pratique paraquedismo. Aliás, há paraquedismo ainda, aqui, em Teresina, como havia naquela época?
Vixe, eram muitos saltos! Acredito que fosse uma espécie de clube de paraquedismo. Não posso confirmá-lo, mas isto, sim: o Louro era “o Cara”. Era o nome que os caras (como os meninos nos-chamávamos) mais pronunciavam. Todos, abestalhados com aquela habilidade, que vem desde os acrobatas chineses, precursores do paraquedismo de “altas altitudes”, até a ideia-cabeça de Leonardo, o início de uma sequência de ousadias, que ofereceram ao público um Fausto De Veranzio, um Sebastan Le Normand, um Jean-Pierre Blanchard, que já saltava com paraquedas dobrável de seda, ou um André-Jacques Garnerin, o primeiro a desafiar as grandes altitudes, ou uma Genevieve Labrosse, a primeira mulher, e sua sobrinha, Elise, que fez mais de 40 saltos, o que, para a época, era algo surpreendente. Não; somente eles eram ousados a tal ponto no céu. Ah, esses saltos sempre foram perigosos, e nossa expectativa de meninos roía as unhas e nossos heróis tiveram que pagar o preço com suas próprias vidas-próprias e eu, de boca aberta ainda e olhos espremidos, calibrando o olhar, e este texto, por réquiem profano, saltando do meu cérebro, pulando com as mãos nesta tela.
Ao Louro, estas “memórias póstumas”. Elas, que, pelo céu de minha boca passam palavras, puladas por mim, a sonorizar as imagens, que gravadas no “paraquedas do meu cérebro” ficaram a saltar. Não eram elas a borboleta preta nas rodas do quarto, mas pareciam floresinhas pequeninas (bem pituibinhas!) no céu do meu bairro, daquela cidade do tempo em que os meninos, na primavera das idades e no Primavera de suas casas, estavam de olho duro no céu. O salto que eu ainda espero é o de Louro. Como, hoje, o paraquedas pode ser manobrado pelo paraquedista, como tento fazer com estas palavras que saltam de mim num céu de página branca (papel ou tela), quero que ele caia dentro deste poema:


Outra inscrição para um túmulo no ar (o segundo voo)

Meninos,
nas matinês dos
domingos, lá pras
bandas da curva do
rio – com o Poti abaixo
(sim, uma garantia?) –, um
passarinho de metal desovava
no céu sementinhas; e vinham caindo
velocíssimas para, em seguida, abrirem-se
como florzinhas: pequeninas ilhas de cores teresinas,
paridas pelo voo dessas aves ocas, loucas pelas alturas terrenas!
Os meninos esperávamos, sobretudo, sobre todas as altitudes, pelo Louro,
o principal pontinho do grupo dos pulos nos ares do abismo, o príncipe dos
comentários dos caras do bairro, do Primavera  (sempre abismados, os meninos);
entanto, estávamos tão abaixo de entendermos a altura dessa Física, de um artefato
saltado do entendimento davinciano e longíquo. Ah, seos meninos, eu vi também os
saltos do Louro pelo brancinzazul do céu do meu bairro soltos; primaveral flor de vento que voa, e todas voam: o pouso sobre o desejo tão grande e tão baixinho (mítico?) de voar acima dos telhados dos olhos primaverinos. – Lá vai o Louro saltar! – Lá vem o louco! – Lá vai no vento indo. – Vai pro aeroporto. Esse foi o salto que caiu dentro do encanto dos meninos de boca aberta: – Quede os paraquedas? – Quedê? – Cadê? Que pena. Ninguém mais os-espera. Como flores soltas na corrente de ar: elas, pelos louros do desafio à queda-livre, presas dentro deste poema, dos céus das páginas, saltam nos









olhos
dum menino
teresino.



11 comentários:

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

simplesmente... lindo

Unknown disse...

Excelente, meu caro! Muito bom mesmo!!

Anônimo disse...

Muito bom. Parabéns.

Anônimo disse...

Bem interessante. Mas só para dar uma contribuiçãozinha (ou puxar o tapete): tá faltano um "i", o terceiro, na palavra 'início', no quinto parágrafo, linha 5: "o iníco de uma sequência de ousadias" . . . Gosto dos seus textos: eles são bems interessantes.

Anônimo disse...

Que beleza, Luiz!!! De primeira. Abraço.
Jefferson Bessa.

Cunha e Silva Fillho disse...

Luiz, observo atentamente que você costuma, como uma introdução como se fora um mote, fazer uma bela e ousada crônica; ousada não por ser atrevida, mas por expressar-se com estilo individual, referto de marcas que já lhe posso notar nos seus textos em prosa. É com se fosse uma introdução, a gênese de um poema que se vai criando, se vai tornando forma e fôrma até resultar num poema moderno e ao mesmo tempo impregnado de boa tradição lírica. Seu centro é, primeiro, a linguagem; segundo, a estrutura em verso, quase sempre criando aqueles estranhamentos, desautomatização do código literário, a que o poeta obriga o leitor atento, os quais começaram com a o surgimento da poesia da modernidade.
E aí estão a crônica e o poema, a prova e a contraprova: o artefato literário em versos que brilham como o sol e reverberam imagens inesquecíveis alegrias infanto-juvenis de um menino em Teresina, no seu bairro de morada, o Primavera. O paraquedas é a alegoria de um tempo de felicidade, que é o tempo da infância e da juventude inicial.
O uso que você faz do poema figurado (carmen figuratum, technopaignion, no grego) lembrando uma quase triângulo equilátero, de largo emprego em poetas desde a Antuguidade Clássica, em diversos países, até o advento do Concretismo brasileiro, como se vê em Da Costa e Silva, no Zodíaco, no conjunto do “Àdito”, formado de três poemas em losango, tipo de poema heterométrico, livre, que também se encontra num dos poemas de Sangue, “Madrigal de um louco”, igualmente em forma de losango, caiu bem nos seus versos modernos e que, na ”queda gráfica “ do espaço em branco, dá um susto duplo no leitor, como se este estivesse participando do olhar vivo da criança ao acompanhar, em "alumbramento," o simples pouso - “queda” – de um paraquedista ou a exigência, às vezes, por excesso de rigor do leitor por entender que o cronista-poeta não dera ponto final ao período da crônica: "olhos de um menino teresino". Foi, pelo menos, esta a sensação que me veio à mente por não ter o cuidado de identificar, com os olhos atentos juvenis, o final do poema.

Luiz Filho de Oliveira disse...

Pessoal, quem tiver dificuldade para postar um comentário, aqui, pode usar uma destas opções:
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Ao menos, comigo, a primeira opção dá certo.

Anônimo disse...

O nome do Louro é Euclides.

Luiz Filho de Oliveira disse...

Valeu, Frank.

Luiz Filho de Oliveira disse...

Grato, Rogel, pela leitura e pela comoção...

Luiz Filho de Oliveira disse...

Meu caro Cunha e Silva Filho, suas leituras são sempre esclarecedoras. Grato pela disposição de se-deleitar com minha obra minúscula...