quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

LIBERDADA EM QUALQUER LÍNGUA, POESIA CONTRA AUTORITARISMOS EXTREMOS



A poesia sempre esteve no meio das confusões do caminho das gentes; atirada pedra, paus, espadas, tiros, coquetéis molotov; todos, a grito. Sabemos disso e disto: ela deve, sim, estar pondo fogo, por estes dias, em muita língua pelas bandas de ocidentes e orientes extremos de autoritarismos, feitos de sociedades anônimas & companhias ilimitadas. É o que deve ser: atirar textos de protestos contra aqueles que não querem ser justos como agentes públicos; questionar as cotas de ilícitos e as contas dos bancos desses corruptos de alto custo (que há corrupções de todos os preços, sabemos e vendemos nós!); exigir que pessoas que assumem cargos políticos devam proceder (e trabalhar!) como todos os agentes públicos a serviço de reinos, nações , Estados, sei lá o quê.

Sabemos: o que se-passou na Tunísia, no Egito passou à Jordânia, ao Iêmen, à Líbia, ao Barém, ao Marrocos (ver outros países!), e deve-se passar também no Brasil, apesar de nossa guerra parecer pacífica (o voto, aqui, ainda vai demorar muito para ser essa “injeção letal” nas veias da politrick, de Peter Macintosh, ou da nossa politicaca). É, Tosh, se eles não querem ceder e negociar; não se deve dar paz à negociação. Não. Tudo bem: seria excelente se aquela história de “todos fazerem a sua parte” desse certo. Paz é bom, mastambém é bomba, é bem conquistado a duras penas se não há um concílio para a conciliação, como prega, em plagas brasileiras, o Poder Judiciário. É ruim, hem? Ter sido provocado, enganado, roubado e ter de ficar calado. Não. Tudo mal: isso ainda acontece – e como! –, e, para tanto, façamos uma trégua pela poesia, para ela; aqui, revivamos, o reggae-poema de Peter Macintosh, este:


Equal rigths


Everyone is crying out for peace
None is crying out for justice
I don't want no peace
I need equal rights and justice



Everybody want to go to heaven
But nobody want to die
I don't want no peace
I need equal rights and justice


What is due to Caesar
You better give it on to Caesar
I don't want no peace
I need equal rights and justice


And what belong to I and I
You better give it up to I
I don't want no peace
I need equal rights and justice


Everyone heading for the top
But tell me how far is it from the bottom
I don't want no peace
I need equal rights and justice


Everyone is talking about crime
Tell me who are the criminals
I don't want no peace
I need equal rights and justice


There be no crime
Equal rights and justice
There be no criminals
Everyone is fighting for
Palestine is fighting for
Down in Angola
Down in Botswana
Down in Zimbabwe
Down in Rhodesia
Right here in Jamaica


Todo-Mundo quer o céu; Ninguém quer morrer. É, também disse isso o Gil, do alto de seus saberes, em seus autos satíricos. Na minha poesia satírica, também, sempre parti de um mote logo pensando a existência da nossa espécie: há, sim, pessoas que podem ser consideradas melhores do que outras; é só estabelecer critérios. Não há duvidar: muitos anos mexendo com a coisa pública acaba fazendo muito político mexer nela (“a mão na cumbuca”, lembra?); tanto, chega fede (essa é a construção a que foi reduzida o padrão “que chega a feder”, por estas terras).

A questão não é somente se é melhor ter um político técnico-especializado, um profissional liberal, um graduado ou pós por universidades, um militar ou algum Tiririca ou Romário da vida. Não. É muito simples, entanto, aqui, no Brasil (e em quantos países?), isso ainda não é possível. Leiam: somente há de ter o pretendente ética, de realizar as funções do cargo e de agir dentro da lei (esse lugar-comum que tantos não frequentam). Não tem errada: acredito que um Congresso Nacional, em certos países, deveria ser uma espécie de grupos de sindicatos, de representações de estratos da sociedade, de pessoas, que, além de estarem enraizadas em seus bairros, suas zonas, seus distritos etc., estão relacionadas a certas áreas de atuação profissional. Se todos querem ser profissionais, por que os políticos devem ser amadores? E leiam que estou dizendo “político profissional” não no sentido que nós, brasileiros, damos a políticos que fazem das câmaras, das assembleias e dos senados da vida seu ganha pão, dinheiro e circo (não está aí ainda José Sarney para fazer inveja a qualquer Muammar Kadafi da vida?); não, falo de profissionalismo no sentido de que alguém, para ser vereador, deputado, senador ou presidente de país, deve ser um profissional atuante em determinadas áreas de trabalho, ter um mínimo de experiência em determinada serviço ou coisa do tipo.

Tiririca e Romário, por exemplo, podem muito bem fazer bastante pelas artes (sobretudo as manifestações artísticas populares; olha o circo aí, palhaço!) e pelos esportes (se-liga, aí, chapa, logo você que sabe tão bem do bem e do mal do futebol brasileiro e internacional). Está aí, então, um bom momento para que um palhaço seja levado a sério (porque, afinal, no mínimo, ele tem a sua experiência como artista circense) e para que a marra do baixinho jogue duro contra a corrupção que já está rolando solta nas reformas ou nas construções de estádios dos estados em que vai haver partidas da Copa do Mundo de 2014. Escrevo: assim como deve-se eleger deputados e senadores por distrito, também haveria de ser diversa as representações profissionais desses parlamentares num Congresso Nacional. Assim, haveria um número X de deputados representantes de áreas-chave, como a saúde, a educação, a segurança, a agricultura, o comércio e a indústria, o meio ambiente, as matrizes energéticas, o trabalho, a justiça etc., como são divididos os ministérios, por exemplo.

O concurso é isto: ninguém deve ser impedido de concorrer a uma vaga para um serviço público, seja o de vereador, seja o de deputado, seja o de senador, seja, enfim, o de presidente ou de rei ou de “líder supremo” (o que for!), desde que, é claro, tenha competência para realizar esses trabalhos. É engraçado verouvir o Tiririca tirar onda da cara dos “deputados profissionais” dizendo o que disse tanto em sua campanha, que não sabia o que esses parlamentares faziam (muitos deles nem sabem mesmo!). É, o povo sabia que era verdade; porisso, votou nele. Um absurdo de voto! Um absurdo? Não. E já que Brasília, esse verdadeiro lugar-comum, é o retrato do país, o povo pagou pra ver. E há que lembrar-se sempre: há poder para tirá-lo do cargo, se ele não trabalhar o que deve. Nisso temos uma melhor possibilidade do que aqueles que moram em países chefiados por alguém que se-acha no poder de garantir a vitaliciedade de si mesmo. Apesar de toda a zorra na polititica brasileira, não gostaria de morar em nenhum desses países norte-africanos ou orientais, que estão em tais mãos.

O que escrevo pro Brasil, portanto, é que o povo esperamos que a lei, mesmo comprida, cheia de atalhos, seja cumprida por esses que elegemos para o executivo e o legislativo de todo o país. Trabalhem como devem. Chega de falso teatro! Ah, Sucupiras da vida, o seu Dias era homem de luta; queria, pois, seus dias finados! Para o Brasil e o mundo: há que lutar bastante, no verbo ou no ferro (como queiram). E, nessa bronca toda, há este poeta que entra com o grito de Gregório de Matos, de Tomás Antônio Gonzaga ou de Luiz Gama, com a lira maldizentemente satírica, a fim de cobrar o texto da Carta Magna relendo as Cartas Chilenas para espantar toda essa bodarrada! E, então, o verso faz-se poemas de escárnios e de maldizeres, digo, isto:

 
politicaca não-escatológica com um ex-voto em forma de um tolete (de plástico!)


políticos de merda!
país cu!
boga!


juízes cagados!
dinheiro sujo!
bosta!


não tapa o nariz
tapa na cara
seo merda!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A poesia medieval é a medida velha para uma nova mente

Desde que comecei a lecionar a disciplina Literatura no primeiro ano do ensino médio, o meu interesse pela literatura medieval foi ficando cada vez mais forte. A partir disso, os poemas-canções dos trovadores galego-portugueses, assim como o teatro vicetino e os poemas palacianos, passaram a fazer parte da minha leitura com uma frequência mais habitual do que na minha época de estudante universitário do curso de Letras.

Assim, nomes como cantiga, esparsa, vilancete, mote, glosa foram-se tornando comuns também na minha produção poética. Claro que, a princípio, isso se-deu por influência da minha necessidade de estudar esses conteúdos para trabalhá-los em sala de aula; depois, por interesse na história da língua portuguesa, que é, evidentemente, a “matéria-prima primordial” da minha poesia. O meu primeiro poema, em estilo medieval, incluído no livro BardoAmar, de 2003, foi uma esparsa (o adjetivo “esparso” significa “isolado”, “separado”), poema constituído por uma única estrofe, como este de Sá de Miranda, presente no Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende:

Cerra a serpente os ouvidos
à voz do encantador;
eu nam, e agora com dor
quero perder meus sentidos.
Os que mais sabem do mar
fogem d’ouvir as sereias;
eu não me soube guardar:
fui-vos ouvir nomear,
fiz minh’alma e vida alheas.


Além da esparsa que compus, alguns outros poemas de BardoAmar também apresentavam alguma referência à poesia medieval, em relação ao vocabulário, claro, pois, quanto ao conteúdo, não há nenhuma possibilidade, já que sou um poeta de outra época. Porisso, não há como reeditar uma postura (no caso, amorosa) como esta que aparece no vilancete do Conde do Vimioso, também presente no Cancioneiro Geral:

Meu amor, tanto vos amo,
que meu desejo não ousa
desejar nennhuma cousa.

Porque, se a desejasse,
logo a esperaria,
e se eu a esperasse,
sei que vós anojaria:
mil vezes a morte chamo
e meu desejo não ousa
desejar-me outra cousa.


Como eu disse, dessa poesia somente é possível copiar-lhe as formas, pois um conteúdo como esse em que o eu-lírico diz que o desejo deve ser afastado da relação amorosa é algo improvável na poesia contemporânea (a não ser que seja uma poesia de cunho religioso). E mais: desejar a morte para si mesmo também é algo que não faz parte de meu projeto de vida amorosa. Isso fica para esses poetas ou compositores de músicas “melosas” que querem agradar a um público lacrimoso.

Não sei se é do agrado de todos (claro que sei que não é!), mas os poemas de que falei são estes que lerá a seguir. O primeiro é a esparsa; o segundo é um vilancete. Vamos a eles:

esparso

gatinha... te-amei de amor
pré-antigo, moderno-pós,
pois (ai!) contracanto arteiro:
“teu não a mim não foi cor!”;
entre tantos, mais não digo,
posto, assim, cantarão
que, então, sendo não-amigos,
verso inverso o verso ubíquo:
que eu não sinta o ex-coração!


(Luiz Filho de Oliveira. BardoAmar, 2003.)




vilão ser-te por amar a esta velha forma antiga


meu amor – tanto te-amo
que meu desejo são ousa
desejar-te minha lousa

por que bem te-escrevinhasse
pela pele em poesia
o que nos-registra o enlace
entre a tua vida e a minha
palavras mil eu reclamo
e tal ideia repousa
no teu corpo – minha lousa


(Luiz Filho de Oliveira. Onde Humano, 2009.)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

AOS MESTRES COM CARONA




I


ACT IV, SCENE I.


The forest.


(Enter ROSALIND, CELIA, and JAQUES)


JAQUES
I prithee, pretty youth, let me be better acquainted
with thee.


ROSALIND
They say you are a melancholy fellow.


JAQUES
I am so; I do love it better than laughing.


ROSALIND
Those that are in extremity of either are abominable
fellows and betray themselves to every modern
censure worse than drunkards.


JAQUES
Why, 'tis good to be sad and say nothing.


ROSALIND
Why then, 'tis good to be a post.


JAQUES
I have neither the scholar's melancholy, which is
emulation, nor the musician's, which is fantastical,
nor the courtier's, which is proud, nor the
soldier's, which is ambitious, nor the lawyer's,
which is politic, nor the lady's, which is nice, nor
the lover's, which is all these: but it is a
melancholy of mine own, compounded of many simples,
extracted from many objects, and indeed the sundry's
contemplation of my travels, in which my often
rumination wraps me m a most humorous sadness.


ROSALIND
A traveller! By my faith, you have great reason to
be sad: I fear you have sold your own lands to see
other men's; then, to have seen much and to have
nothing, is to have rich eyes and poor hands.

JAQUES
Yes, I have gained my experience.


ROSALIND
And your experience makes you sad: I had rather have
a fool to make me merry than experience to make me
sad; and to travel for it too!


(William Shakespeare. As You Like It. 1599/1560.)






II


“– ‘Que bom que é estar triste e não dizer cousa alguma!’ – Quando esta palavra de Shakespeare me chamou a atenção, confesso que senti em mim um eco, um eco delicioso. Lembra-me que estava sentado, debaixo de um tamarineiro, com o livro do poeta aberto nas mãos, e o espírito ainda mais cabisbaixo do que a figura, - jururu, como dizemos das galinhas tristes. Apertava ao peito a minha dor taciturna, com uma sensação única, uma cousa a que poderia chamar volúpia do aborrecimento. Volúpia do aborrecimento: decora essa expressão, leitor; guarda-a, examina-a, e se não chegares a entendê-la, podes concluir que ignoras uma das sensações mais sutis desse mundo e daquele tempo.”

(Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 1881.)






III


recado afiado ao sir inglês


se é bom estar
triste sem dizer nada
manca só esta machadada:


melhor é amar
mulheres em uma
ou mulher em várias!


(Luiz Filho de Oliveira. BardoAmar. 2003.)