sábado, 22 de janeiro de 2011

Microantologia ao máximo de micros: poemas de piauienses brasileiros de poesia


Esta microantologia, organizada ao prazer que me-dão estes versos, é por conta, ainda, da facilidade que a Rede proporciona a quem acesso tiver a tal tecnologia. O edito: neste sítio, edito muito. Porisso, daqui pro seu micro, gravo este arquivo da viva poesia em que vivo: uns poetas de “lá do Piauí” (incluindo-me não por acaso, por prestados serviços): , Da Costa e Silva, Mário Faustino, H. Dobal, Torquato Neto (in memoriam) e Luiz Filho de Oliveira (vivinho-da-silva).

De Da Costa e Silva, esse soneto, predominantemente em decassílabo heroico, em que o eu-lírico apresenta um ponto de vista, a princípio, aterrador, graças à frieza com que o expõe. Em seu Sangue, de 1908, já aparece uma verve que vai sangrar mais ainda em Augusto dos Anjos: a utilização de uma nomenclatura de caráter científico na poesia. Tudo bem, que isso em poesia, aqui, no Brasil, foi feito primeiro por um poeta piauiense: Leonardo da Senhora das Dores Castello-Branco, em seu livro de estreia, O Ímpio Confundido, impresso em Lisboa, na Tipografia de A. I. S. de Bulhões, em três edições (1835, 1836 e 1837). Pela personalidade forte que tinha Da Costa e Silva, não é de se-estranhar que essa mundivisão do eu-lírico seja a do próprio poeta; já que ele sempre foi um cidadão assaz probo e que nunca iria compactuar-se com “os traidores do Amor e da Verdade”. Grita, poeta:


Ódio Bendito


Meu ser é como o ser perverso e doente
Do ladrão, do bandido, do assassino...
Corre em meu sangue o fluido viperino
Do vírus tenebroso da serpente.


Mente-me o olhar; mente-me o lábio; mente
Dentro em meu peito o coração tigrino,
Zombando dos caprichos do Destino,
Num ódio estranho, altivo e repelente...

Bendito este Ódio aos homens miseráveis,
Aos torpes embusteiros execráveis
E aos traidores do Amor e da Verdade!


Bendito este Ódio bom, santo, orgulhoso,
Que me oferece o torturado gozo
De querer mal a toda Humanidade!


(Da Costa e Silva. Sangue. 1908.)


De Mário Faustino, essa balada (com direito a envoi), de tom elegíaco, composta como um réquiem profano ao poeta estadunidense Hart Crane, que, de fato, em 1932, jogou-se ao mar, durante uma viagem do México aos Estados Unidos. Apesar de a dedicatória referir-se a uma poeta, na edição da poesia completa de Mário, organizada por Benedito Nunes, há uma referência de que esse poema foi dedicado, na verdade, a um poeta. Poema comovente, de imagens fortes. Mergulha, poeta:


Balada


(Em memória de uma poeta suicida)




Não conseguiu firmar o nobre pacto
Entre o cosmos sangrento e a alma pura.
Porém, não se dobrou perante o fato
Da vitória do caos sobre a vontade
Augusta de ordenar a criatura
Ao menos: luz ao sul da tempestade.
Gladiador defunto mas intacto
(Tanta violência, mas tanta ternura),


Jogou-se contra um mar de sofrimentos
Não para pôr-lhes fim, Hamlet, e sim
Para afirmar-se além de seus tormentos
De monstros cegos contra um só delfim,
Frágil porém vidente, morto ao som
De vagas de verdade e de loucura.
Bateu-se delicado e fino, com
Tanta violência, mas tanta ternura!
Cruel foi teu triunfo, torpe mar.
Celebrara-te tanto, te adorava
Do fundo atroz à superfície, altar
De seus deuses solares – tanto amava
Teu dorso cavalgado de tortura!
Com que fervor enfim te penetrou
No mergulho fatal com que mostrou
Tanta violência, mas tanta ternura!


Envoi


Senhor, que perdão tem o meu amigo
Por tão clara aventura, mas tão dura?
Não está mais comigo. Nem conTigo:
Tanta violência. Mas tanta ternura.


(Mário Faustino. O Homem e sua Hora. 1955.)


De H. Dobal, esse poemeto épico, em que aparecem, entrecortados, o texto histórico e o texto literário, na composição de um anti-heroi, um “matador de índios” que habitavam a terra brasilis do Piauí. A força da palavra contra a força das armas. Atira, poeta:


EL MATADOR


“1776 - Agosto, 1º - Tem começo a guerra contra os índios Pimenteiras, para a qual marchou neste dia, da cidade de Oeiras, uma forte expedição militar sob o comando do tenente-coronel João do Rêgo Castello Branco.”


De sangue e de fogo
se faz um nome.
No sangue e no fogo
se desfaz a história
de muitas vidas.


A sangue e fogo
a ferro e fogo
um homem liquida
seus semelhantes.


“... foram presos uns e postos em pedaços outros, trazendo-se as orelhas destes que se pregavam nos logares públicos da aldeia.”


No sangue
a crueldade desnecessária
No sangue
A violência contra os desarmados.


“... manda logo o tenente-coronel o seu filho Felix do Rêgo e alguns agregados atraz os Gueguezes...”
“... mataram parte delles e levaram as cabeças que poseram em mastros na aldeia de S. Gonçalo para o tempo as consumir.”


Ao preço de tantas vidas
Sua vida se perde
Do consumo do tempo.


Não matador de touros
toureador da morte
vencedor dos verões.
Matador de índios.
Sua glória triste
pesa sobre nós.
Sobre sua memória
pesa a morte inglória
das nações tapuias.


“... e alcançando sucessivamente as malocas dos Tapuyas, os vão passando todos a ferro.”


Tenente-coronel dos auxiliares
João do Rêgo Castello Branco
chefe da tropa
senhor dos trabalhos
castigos e desgostos,
matador de índios.


“No ano de 1870 vendo-se o tenente-coronel João do Rêgo na missão de S. Gonçalo com menos índios que desejava para mandar em seu serviço.”


Sem firmeza
nos ajustes de paz.
Firme na guerra
a todos os índios.
Rápido na guerra
lança os proclamas
as derramas
de gente
farinha
cavalos e bois.


O coronel João do Rêgo, apesar de velho e quase cego, tomou a acargo a conquista; porque de alquebrado de fôrças não tinha perdido a mania de querer achar o el-dourado.”


Índios e ouro
seu sonho execrando.
A lagoa dourada
o rio do Sono:
se revolve em sangue
a sede de ouro.


Os corpos no campo
para o pasto das feras.
Passados à espada


Acoroazes
Pimenteiras
Gueguezes


raça extinta
lembrança extinta
nomes nações
apagados
no próprio sangue.


Matador de índios.
A fama de seu nome.
Sua memória em sangue
se repete.


(H. Dobal. O Dia sem Presságios. 1970.)


De Torquato Neto, esse poema em que pensa logo e versa o enigma que ele era. Verso livre; poesia viva. Vive, poeta:


Cogito


Eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível


Eu sou como eu sou
Agora
Sem grandes segredos dantes
Sem novos secretos dentes
Nesta hora


Eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim.


Eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.


(Torquato Neto. Os Últimos Dias de Paupéria. 1972.)


De mim, um poema em que revisito todos esses poetas acima para homenagear um artista plástico, depois de bater de frente com uma sua tela, na galeria que tem seu nome, na Oficina da Palavra, em Teresina, Piauí. Pinta, poeta:


sobre o realismo plástico artista: um homem em sua obra*


de tinta de sangue
fez-se teu nome – Fernando –
personalíssimo & transferível ao poema


pelo bendito ódio à vida
que se-gerou imagem sangüenta
de tanta pintura & quanta violência!


ah... quadro profundo!
teus punhos teu ventre teu grito teu estilo
compunham tua mais crua obra prima & derradeira


(No Primavera; próxima, a praça que tem, sim, seu nome próprio.)


(Luiz Filho de Oliveira. Onde Humano. 2009.)


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* Em memória de Fernando, um artista plástico do meu bairro, nessa rota pela Costa de duas artes piauienses.