quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia

F. Gilásio, "Barco no rio Parnaíba".


            Se todos cantam sua terra (e muitos eus já cantaram a sua!), por que os “poetas universais”, os “poetas federais” e até os “poetas estaduais” querem regrar a poesia de uns tantos “poetas municipais”, vilões? (sem trocadilhos, por favor). Por que querem negar essa bendita “universalidade” aos temas locais desses poetinhas menores, se ela é somente terrena, e olhe lá?
            Leiam bem oque estou escrevendo: em matérias como essa de tema de poema, eu prefiro ficar russo a seguir brasileiro. Cês esqueceram oque disse o velho escritor russo nosso amigo Leon? “Canta a tua aldeia e serás eterno”. E digo mais: Canta oque quiseres e serás o poeta do como o-escreveste! Eis aí cada metade (as partes) do tudo oque interessa: a intervenção de um artista nessa matéria prima & derradeira, que é a linguagem, a língua aqual o poeta põe pra fora, pra fazer oque sua competência linguística manda, aliada ao tratamento que ele, artista da palavra, dá aos conteúdos de sua ficção (prosa ou verso), pontos de vidas, de vivas perspectivas. Assim deve sê-lo, assim o-é! Lembra Osvaldo? “Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo”. Olhos, mãos e ouvidos livres!
            Recuerdo: não vou aqui lembrar o poeta negro estadunidense Countee Cullen recebendo aquela língua na cara, daquele menino branquelo. Não, mas o-parodio, se é que alguém virá dizer que não no-posso ( vendo como é o contrário?): eu vivi os meus estudos todos, mas de tudo oque ocorreu neles, eu lembro somente, no ensino fundamental, o fato de um professor arrogante e mal preparado (e quantos ainda há por essas escolas de nosso país, sobretudo nas públicas!) me-dizer, ao questionar junto a ele um suposto erro presente no livro didático: Quem é você pra questionar um livro didático, que o autor levou anos pra fazer? Que arrogância arrotando subserviência! Pena não ter podido dizer nada a ele; eu era somente uma criança querendo participar. Aprender a lição a fim de poder ensinar outras tantas em retribuição ao sentido universal de ser humano, hermano.
            Maior pena ainda (esta, arrancada de uma asa de avião) é que aquele professor, tido como “o cara” na escola, talvez não tenha vivido o suficiente pra aprender o contrário, pois quem mo-disse (isso é em sua homenagem) foi uma professora (o contrário?) que a ninguém mais agradava, porquanto era deveras achincalhada por meus colegas de universidade; tida como “velha”, “gagá” e outras sátiras virulentas. Masporém foi ela quem me-passou esta lição de que eu poderia, sim, questionar os livros, entender-lhes as falhas, apontar-lhes os erros, poisque havia muito a ser reparado: da coerência das ideias aos aspectos gráficos (digitação, ausência/troca de imagens, informações desencontradas etc.). Que lição mais leve, mais humana (errar é...).
            A partir dessa injeção de autoestima da professora Alzair (nem sei se o nome é esse, se se-escreve assim, e isso não é desconsideração a ela, não, pois eu ainda lhe-sou muitíssimo grato por ter-me-salvado daquele inferno de não pensar ser capaz de participar), depois disso, pude recuperar oque havia perdido quando fui desestimulado por aquele “cabra despreparado”. Por conta dessa luz no início do meu túnel, vesti o meu tonel e, em seguida, pedi a Alexandre pra sair da frente de meu Sol. Quem é cínico? Oque eu quero é dizer que me-repito e aos quês porque o-quero, e ai! E pronto. Ponto-parágrafo.
            Perito, repito: não quero seguir brasileiro; brasileiro conselho de não fazer versos sobre acontecimentos, acerca de sua cidade, de seus lugares-comuns, cercados de memória; a despeito (e sem tê-lo!) de deleitar-me tanto com a poesia de Carlos (veja a intimidade, foi um deles que ma-ensinou), de Manuéis, de Joões, de Mários... Vários! Esse eco é quase inevitável para a maioria dos poetas contemporâneos (mormente os “maiores”), osquais passaram pelos bancos da educação formal. Comigo isso também acontece: sou um poeta filho da escola, vistolidouvido que, nesse ambiente (e aqui vai uma parcela de verdade de Hippolyte), pude manter contato com essa arte linguística, ligada ao teatro e à música. Contudo, como eu disse antes, quando mestra Alzair me-desipinotizou daquela postura submissa imposta por aquele “mestre de m...”, compreendi a importância (na maioria das vezes) da opinião, do juízo, da intervenção do outro, na formação de nosso próprio caráter. Clarescuro que eu sigo oque meus mestres mandaram; também passo isso a meus pupilos, discípulos, alunos, filhos... Porém, também les-repito que “o cala-boca já morreu”. Quem deve mandar na sua poesia é o próprio poeta, isso é oque interessa hoje a esses escritores contemporâneos, acredito.
            Porisso, na minha poesia, respeitados todos os meus mestres, eu não faço tudo oque eles me-ditam. Não nos-repito, arcaindo; trabalho-eles na minha língua de agorinhaquimesmo, do jeito que eu les-vivo: neologíssimos. Há de haver (por tantos) a minha parte, sobre tudo & todos eles. Minha contribuição. Sempre penso nisso quando ando a trabalhar um texto. É, devo contribuir porque devo muitíssimo a esses mestres. Outronão, eu cantarei de minhas terras tão poeticamente, que faça sentir a mente que não sente. Não nego que o tema é algo importante para aceitação do texto; todavia, em nome da poesia, o trabalho linguístico e a perspectiva sua é que fazem a diferença. Lembra o Bruxo quando disse: “a paisagem depende do ponto de vista”. Podem vir, portanto, os modernos impondo suas mortes a poetas e a poéticas, mas, poetas de todas as esferas do planeta, e, principalmente, meus bastante leitores, nunca deixarei de escrever quando a maçã cair na minha cabeça e a ideia vir de-com-força, exigindo vida, ser escrita humana, humano ARTEfato. Poemas são lugares, são fatos, vêm de alguns; nem que sejam comuns, surrados. E daí? Por que não reciclá-lo se essa postura do ecologicamente sustentável pode ser, sim, transplantada à poesia. Sustentabilidade poética: vamos usar alguns temas sem esgotá-los. Nem que seja de revestrés, veja do seu modo.
            Apesar de buscar, no meu fazer-me-poeta, essa tal de “metáfora nova”, esse criar soluções originais para a poesia; não deixo de constatar o óbvio de que alguns temas são inevitavelmente retomáveis (esgo...?) na poesia de poetas de toda a Terra e mais particularmente de nossa terra, nosso universo. O rio Parnaíba, por exemplo, oqual parece mais do Piauí que do Maranhão, a primeira vez em que ele apareceu em literatura foi num trecho do “poema filosófico” O Ímpio Confundido ou Refutação a Pigault le Brun em que se Demonstra pela Filosofia e pela História a Existência de Deus e a Verdade da Religião Católica, do poeta piauiense Leonardo da Senhora das Dores Catello-Branco, publicado em Lisboa, em 1835, 1836 e 1837.
            É evidente, pelo próprio titulo do livro, que o tema dele não é o rio Parnaíba. Como o-fez François-René de Chateaubriand em 1802, no seu Génie du Christianisme, Leonardo, nesse poema, busca um objetivo claro: provar a existência de Deus pela Filosofia e pela História (diferentemente de Chateaubriand, que provou pelas “maravilhas da natureza”). Essa ligação com o Gênio francês, pode ser evidenciada não somente pelas estadas de Leonardo na Europa, como, principalmente, pelo seu conhecimento sobre História (brasileira, portuguesa e europeia!). Assim, ao defender o cristianismo das “ofensas” de Pigault le Brun, Leonardo se coloca como um poeta de tendência romântica (lembremo-nos de que os barrocos colocavam-se como contritos, enquanto os árcades eram pagãos, em literatura), pois, em seus versos, lê-se aquela tendência “revolucionária” que os textos românticos disseminaram àquela época:

Eu Brasileiro sou. O solo habito
Que o Parnaíba rega. Pavor tive,
Hesitei; mas, enfim, deliberei-me:
Creio, animou-me invisível Ente.
Da pena lanço mão, esta obra escrevo
E o meu trabalho não baldar espero.
Se há Leitor obstinado, há também dócil:
Aquele o Vício ama e o Erro busca:
Este busca a Verdade e ama a Virtude.
Eis o homem sensato e eis com quem conto.

            É certo que Leonardo não é o “poeta do velho monge”; esse epíteto serve muito bem a outro escritor do Piauí: Antonio Francisco da Costa e Silva ou, simplesmente, Da Costa e Silva. Em poemas menores que O Ímpio Confundido, sonetos decassílabos e alexandrinos, em seu livro de estreia Sangue, de 1908, o vate amarantino ora tendo o Parnaíba como tema (Rio das Garças) ora como parte importante dele (Saudade), grava o rio de sua aldeia em sua poesia como se-ferra um gado, com autoria e autoridade. A partir de então, ele não deixa de incluí-lo como temática reincidente em sua poesia, oque justifica o epíteto acima. Mutatis mutandis (vixe!), sem nenhum exagero, esse epíteto também poderia ser atribuído naturalmente a um dos maiores prosadores da literatura brasileira em ação na atualidade, o piauiense Francisco de Assis Almeida Brasil, já que em sua obra o rio Parnaíba aparece como cenário de tantas histórias.  No premiado Beira Rio Beira Vida (1965), com que inicia a sua Tetralogia Piauiense, o Velho Monge chega a ter quase o status de personagem, pela carga dramática que encerra.
            Posto que eu não seja nascido em aldeia alguma que fosse banhada, alimentada, transportada pelo rio Parnaíba (eu sou de Campo Maior de nascimento, mas sou de Alto Longá, de vivência, meu rio é outro!), por conta da minha própria conta, faço uso da minha liberdade conquistada desde a madureza do meu quase-livre-arbítrio, e vou cantar o rio de tantos poetas, do meu canto, do meu ponto de espera da barca, no cais do Troca-troca, onde ele me-pegou de assalto e levou-me a este poema:



onde uma barca veio a poeta buscar (a mandado)


– psiu! – diz seo rio –  
vamos passear em mim
enquanto eu não vou... sim?

– sim – disse a mavioso convite (e mais disse!) –
vou embarcar assim sem a tal da catacrese – rio nativo
e navegar-te rio de muitos dito rio de minha terra
nossa! tanta terra! de tantos poetas & de gente tanta
que rio – rio – porque te-reverso uma margem apenas
emerso duma taba de imenso contentamento poti
como um piaga a desafiar-te-desafinar – rio grande

pois sei: és do filósofo antigo
o não-mesmo-rio-porque-passaste
e depois que a tua ira foi apascentada por Leonardo
– estando poeta-mentecontínua-revolucionário –
ficou mais fácil ir ter contigo ao teu catre alegorizado
mesmo agora em estado leito lento paciente porque
se canos & projetos já te-levaram as lavadeiras – rio dejeto
a largo canto canto o largo das águas em verso de monge velho

mas à margem de tuas melhores canetadas – rio verba
aquiagora levas a hidromassagem aos motéis urbanos (um caso)
onde secamente em programas as garotas falam falsas propagandas
beiravidando contra o rumo do mundo de Mundoca novamente    
e marginália mundana a cidade ainda te-reduz (o descaso)
de água e cais e caminho e mesa e banho
a esgoto latrina lixeira tema de campanhas
campanas pro dinheiro mesmo!

não mais Letes (esquece!)
nem Estiges nem Infernos  (estigmas do poético)
nestes versos te-quero música apenas: let’s play that!

e mais que o mar da costa – rio dádiva
vem e silva selvas de brisa vivas
e se o mar é longe e longo em linha
tu – rio – és doce e não amaro a toda a vida
linguagem para tudo quanto praias:
praio doce coroa & brotinhos

no averedado da verdade de teu chão – rio caminho
e em filme grave gravo estas palavras em eco
lógico: não caço garças nem choro em coro
só aporto lado a lados: leito ladino (trino) se
margem a margens (imagens emergindo)
te-desavesso os versos líquidos – rio fio

todavia se a nado não cheguei a
nada de novo sob teu céu sobre as águas
liquido: aceito passear em ti nessa barca
por onde tropica o sol destas praças
(veio)

pronto, seo moço?

(rio)



(De Teresina a Timon, sôbolo rio Parnaíba, abarcando-o.)


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